Fake news (notícias falsas): conheça as consequências legais para quem compartilha
A palavra “misinformation” (que significa desinformação, ou informação errada) foi escolhida como a palavra do ano de 2018 pelo site Dictionary, uma das maiores fontes de pesquisa de vocabulário do mundo. Nos dois anos anteriores, o Collins Dictionary elegeu a expressão “fake news”; e em 2016, o Oxford Dictionaries escolheu “pós verdade” como a expressão do ano.
Todas são palavras relacionadas à forma como as informações falsas ou equivocadas têm ganhado espaço e influenciado as nossas crenças e opiniões.
A ideia de uma sociedade vulnerável a informações fabricadas pode parecer incompatível com uma realidade em que boa parte das pessoas têm acesso à informação na palma da mão, literalmente; porém, é isso que tem acontecido no Brasil e no mundo.
A Internet se tornou uma ferramenta perigosa para quem publica ou consome conteúdo sem o devido cuidado com a veracidade das informações – ou, o que é pior, um poderoso instrumento para quem intencionalmente divulga notícias falsas, as chamadas “fake news”.
Mesmo não sendo um fenômeno recente, o compartilhamento de fake news tem chamado cada vez mais a atenção de especialistas da tecnologia e do Direito, na medida em que começa a impactar até mesmo eventos de proporções nacionais ou mundiais, como eleições, desastres naturais, atentados terroristas e outros.
Quem movimenta o mercado das fake news?
Desde boatos locais em comunidades, até o mundo das celebridades, passando por assuntos como saúde, política e finanças pessoais, indústrias inteiras são movimentadas pelas fake news.
A influência que a veiculação de notícias falsas pode exercer em situações como essas, somada à facilidade de criação e automatização da publicação de conteúdo na Internet, fez nascer um verdadeiro “mercado de fake news”, que se beneficia do tráfego gerado aos sites e blogs, ou das consequências que surgem quando indivíduos acreditam nas informações.
Mais recentemente, o advento dos smartphones estreitou ainda mais a relação dos indivíduos com a Internet.
Mas, se por um lado, essa acessibilidade trouxe novas facilidades e opções, por outro, tornou os indivíduos ainda mais vulneráveis, diante da quantidade de conteúdo disponível por meio de sites, apps e redes sociais.
Pesquisas solicitadas pela startup de segurança Psafe mostraram que, no Brasil, cerca de 96% das informações falsas são disseminadas por meio do aplicativo de compartilhamento de mensagens Whatsapp. Segundo o Relatório de Segurança Digital de 2018, elaborado pelo laboratório “dfndr lab”, da Psafe, os três principais assuntos que são alvos de notícias falsas são: política, saúde e dinheiro fácil.
Um estudo realizado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) mostrou ainda que as fake news se espalham com uma rapidez 70% maior que as notícias verdadeiras, e atingem um público até 100 vezes maior.
Conforme esses estudos, os robôs virtuais desempenham papel importante na disseminação dessas notícias – porém, não é tão relevante quanto o papel dos humanos. Quem mais movimenta a indústria das fake news são usuários que as compartilham com seus perfis pessoais nas redes sociasis, ou por meio da criação de perfis falsos.
E, apesar do senso comum de que a ingenuidade é característica das pessoas mais jovens, o que se tem constatado é que as pessoas que mais disseminam fake news estão na faixa dos 65 anos de idade, segundo estudos da Universidade de New York e de Princeton, nos Estados Unidos.
Fake news causam prejuízos reais
No início de 2018, o site YourNewsWire publicou um artigo sobre mortes relacionadas a uma vacina para gripe nos Estados Unidos, que depois se provou falsa – mas não sem antes gerar mais de 500.000 engajamentos virtuais no Facebook.
Acontecimentos como esse podem causar prejuízos financeiros e danos de várias espécies.
No Brasil, o próprio Ministério da Saúde admite que o combate às fake news é uma questão de saúde pública.
No comércio, a disseminação de notícias falsas é estratégia comumente usada para conseguir dados pessoais de consumidores e aplicar golpes, afetando não somente os consumidores, mas também empresas. Não é à toa que 85% das empresas no Brasil estão preocupadas com o assunto, como afirma a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial. De acordo com as pesquisas feitas por esta Associação, 91% dos empresários entrevistados temem os potenciais danos que as notícias falsas podem causar à reputação da sua marca; e 40% temem perdas financeiras e o dano à credibilidade da empresa.
Consequências civis e criminais para quem compartilha fake news
Os contornos jurídicos das fake news se dividem entre as consequências criminais e as cíveis.
O mero compartilhamento de fake news não é tipificado como crime no Brasil, embora já existam projetos de lei em trâmite. Entre estes projetos, podemos citar o Projeto de Lei n.º 6.812/2017, que cria o crime de divulgação ou compartilhamento de informação falsa ou incompleta na Internet; e o Projeto de Lei n.º 9.533/2018, que cria o crime de participar nas tarefas de produção e divulgação de notícias falsas que sejam capazes de provocar atos de hostilidade e violência contra o governo.
Mas, mesmo sem haver a criminalização específica dos comportamentos relacionados às fake news, a pessoa que as publica ou compartilha pode incorrer nos crimes de difamação, injúria ou calúnia, respectivamente, se as informações falsas ofenderem reputação ou a dignidade de alguém, ou se veicularem falsa acusação de crime.
Além disso, o Código Eleitoral Brasileiro define como crime a conduta de imputar fato ofensivo à reputação de alguém, na propaganda eleitoral, ou em atos que visam a fins de propaganda. Se a propaganda feita com elementos falsos afetar o resultado da votação, é possível até mesmo pleitear a anulação.
A disseminação de fake news também pode gerar ao indivíduo a obrigação de indenizar por danos morais, se for demonstrada a lesão à moral ou imagem de alguém, ou até mesmo de indenizar por danos materiais, caso seja provado que as notícias falsas acarretaram prejuízos financeiros.
A conduta do funcionário que dissemina notícias falsas sobre a empresa empregadora na Internet também pode ensejar dispensa por justa causa.
Quanto aos provedores de Internet, o Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/2014) determina que só poderão ser responsabilizados civilmente pelos danos gerados pela publicação de conteúdo se desobedecerem a determinação judicial que determine a retirada do conteúdo.
Sandra Regina Comi é sócia fundadora do Comi Advogados Associados e membro de várias entidades ligadas ao exercício do Direito no Brasil. Para receber artigos exclusivos sobre as áreas de atuação do escritório inscreva-se em nossa Newsletter, clique aqui.